13/02/2008

Cumplicidades

Cheguei à creche às 19h em ponto. "Espero não demorar chegar a casa. Tenho que lhe dar o banho, fazer o jantar, as camas... Que dia, nunca mais termina".

Entrei.

Passaste por mim direita à biblioteca, para folheares livros. Olhei-te e quando ia começar "Maria, vá lá, despacha-te, filha, temos que ir para casa" suspirei e pensei: "Paciência, mais cinco ou menos cinco minutos não fazem grande diferença". Folheaste os livros e depois lá vestimos o casaco e saímos da creche.

Disseste-me, apressada, "corre, mamã, vem aí o autocarro". Não vi autocarro nenhum a chegar à paragem e perguntei-te "mas qual?". "Aquele, ali ao fundo, mãe". Sorri... o autocarro estava parado num semáforo e já bem longe da paragem onde o costumamos apanhar. Não havia hipótese de o apanharmos, por mais que estivesses preparada para correr atrás dele, eheheh.


Continuámos. Sentámo-nos no banco. Ias para começar uma birrinha, já nem sei porquê:
- Escuta, Maria, queres ouvir histórias do tio Hugo quando era pequenino?
- Não...
- Era uma vez...
- Não, não quero, mãe - rezingaste.
- Não, filha, não estou a contar-te a história a ti, mas sim à estrelinha que brilha lá em cima, no céu. Era uma vez um tio Hugo malandro, que fazia muitos disparates... - continuei, já contigo a escutares atentamente.

A senhora que estava ao nosso lado sorria, até que chegou, em poucos minutos, o autocarro em que seguiríamos.

Nessa altura, a história já tinha acabado e estavas a fazer de bebé no meu colo. "Deixa deitar-me no teu colo, como os bebés" e fingias que choravas enquanto eu dizia "não chora, bebé, a mamã está contigo... pronto".

Encheste o autocarro de gargalhadas sonoramente malandras, enquanto encarnavas o papel de uma criança pequenina. As pessoas que viajavam connosco no autocarro renderam-se à tua boa disposição e riam-se de nós: de ti pelas gargalhadas e de mim que fingia que tirava "pilhas" das tuas costas para não te chorares mais. E tu rias mais e mais, deliciada com a brincadeira. "Ufa, isto até está a correr bem", pensei para comigo.

As brincadeiras somaram-se pelo resto do caminho até casa. À chegada, a avó Toya estava a preparar o jantar e eu subi contigo para nossa casa para te dar banho.

"Meu Deus, já passa das sete e meia... se ela quer brincar no banho estou feita". Entraste para a banheira, não coloquei a tampa no ralo da banheira e disse "ai... ai... oh, água, não fujas, fica aí para a Maria brincar! Opá, água, não me estás a ouvir?" Reclamaste, "não tem águá... oh, mamã, a água...". Enganei-te "não sei o que se passa, filha, se calhar a banheira está estragada". Duche tomado...

Toca a vestir. Oiço-te a rir e vejo que estavas a fazer um xixi na minha cama... "Oh, Maria... O que é isso". Olhei novamente e vi que estavam duas toalhas debaixo dela "Ufa, não molhou o colchão, boa". Não te ralhei mais... não valia a pena, estava tudo resolvido e sem azar de maior.

- Vamos secar o cabelo, filha!
- Não quero, quero brincar... - fugiste para junto dos teus brinquedos.
- Fofinha, queres secar o cabelo como a Bia faz? Anda cá que eu ensino-te!!!
- Sim, quero...
- Pões a cabeça para baixo. Isso, agora fica assim - e o secador ligado na máxima potência deslindava os seus cabelinhos fininhos com a pressa que só uma mãe compreende nestas horas.
- E agora, queres pentear-te como a Bia? Com esta escova, como a que a Bia tem?
- A Bia tem uma escova igual mãe?
- Tem, sim, filha - ai, que é hoje que o nariz vai crescer... tantas mentirinhas inocentes para mantê-la cooperante e bem disposta.

Olhei para o relógio. Oito horas. "ui, temos que descer, a Toya já deve ter o jantar na mesa.

Descemos as escadas e enquanto eu punha a mesa brincavas, divertida, na sala, com o Speedy.

Parei a contemplar-vos e a ouvir as tuas gargalhadas. A avó Toya comentou: "está muito bem disposta hoje"!

E eu pensei para comigo "tomara que todos os dias tenha esta inspiração toda para, com paciência, conseguir levar a melhor com ela".

E quando te deitei, depois de mais umas quantas corridas contra o relógio sorri, bem disposta com a vida, tal como tu, porque vi que temos uma cumplicidade fantástica, e que não és apenas tu que aprendes coisas novas todos os dias, mas também eu, enquanto mãe.

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